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letrificando


Ontem minha mãe chegou em casa e disse que tinha um presente para mim. Quando eu vi que era uma máquina de escrever, comecei a chorar.

Há um tempo venho procurando, sem sucesso,  o que hoje se tornou o objeto mais desejado entre blogueiras, hispsters e todos os amantes do “vintage”. Enquanto procurava uma máquina só para mim, ou o preço não me agradava, ou a cor, ou o tamanho... havia sempre um empecilho que transformava minha busca em frustração. Mas então, de repente, minha mãe aparece com a minha máquina, exatamente na cor e no modelo que eu queria... Foi demais...

“Mas e agora, Marine, o que você vai fazer com esse pedaço de ferro?”. O que eu vou fazer?...

Quando eu era criança, minha mãe tinha uma máquina de escrever (bem mais moderna do que essa que ela me deu, até) e eu olhava para aquilo tão maravilhada... Pessoas escreviam ali, se comunicavam ali, trabalhavam ali, desabafavam ali... Era uma carga sentimental muito grande para uma coisa tão pequena, eu pensava. Diante dela, eu não via a hora de crescer, aprender a escrever, ter meu trabalho, meus sentimentos, experiências e – o mais importante – coragem para compartilhar com a minha própria máquina, o meu mundo; imprimir no papel, quem eu sou.

Mas aí aconteceu uma catástrofe: o computador. O computador fez com que todo mundo se esquecesse da máquina de escrever e ficasse maravilhado com o Paint e o Word – que corrigia e, ainda por cima, apagava seus erros! Logo depois minha mãe jogou sua máquina no lixo e ficamos só com a nova tecnologia.

Claro, eu também fiquei maravilhada com o computador, e escrevi nele até hoje sem nenhum problema, mas com a máquina é diferente... É mais íntimo. A medida em que você digita suas palavras, elas já são impressas no papel instantaneamente, meio como os sentimentos da gente e os nosso atos. Se errar, não tem mais volta. Está ali impresso. Não dá mais para apagar ou voltar atrás. Não tem um corretor apontando o tempo todo onde está seu erro, nem um backspace para deletar tudo o que você escreveu, pensou melhor, e decidiu que aquilo não deveria sair da sua própria cabeça. Não tem um desktop para esconder o que você estava escrevendo... Como você iria esconder em instantes, aquele montante de folhas carregado de você mesmo? Não... não dá.  Com a máquina de escrever, tem que ser escondidinho, num cantinho onde ninguém possa te ver sussurrando para o papel tudo aquilo que não pode ser dito em voz alta. Tudo aquilo que você não acha certo, ama e odeia. Tudo aquilo que você não é, é, e gostaria de ser. Tudo aquilo que você ouviu e não pode contar para mais ninguém. Tudo aquilo que só você acha graça. Tudo aquilo que é ridículo, bobo e triste. Tudo aquilo que você sente. Era para isso que, desde criança, eu queria uma máquina de escrever: para me letrificar num papel em branco e não ter corretor, nem backspage, nem ninguém me observando por cima do ombro, tentando me apagar...


Mas o que eu vou fazer mesmo com o pedaço de ferro? Bom, eu não sei. Passei a minha vida inteira até aqui dizendo para mim mesma que eu só não me letrificava porque para isso faltava a bendita máquina, mas ontem, quando minha mãe entrou em casa, carregando-a no colo, eu vi que, na verdade, o que sempre me faltou foi coragem. E é por isso que ontem, quando minha mãe me deu de presente a minha própria máquina de escrever, eu chorei.


6 comentários:

  1. que lindooooooooooo <3 tudo o que você falou é verdade. eu me identifiquei com cada palavra apesar de nunca ter pensado nisso. acabou que também quero uma máquina de escrever agora hahaha parabéns pelo texto, lindo!

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    1. Que ótimo! Fico tão feliz que tenha gostado! Compre uma máquina sim! É uma experiência muito boa kkkkk

      Beijos!!!

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  2. Bem bacana o texto. Tenho que assumir que acho meio "hipster" sim, mas de qualquer forma, escrever em uma máquina dessas deve ser uma sensação totalmente nova nos dias atuais. Provavelmente algo meio nostálgico deve acontecer, haha. Acho que eu não teria chances com uma máquina de escrever, do jeito que eu cometo muitos erros de digitação... Acabaria perdendo a paciência. D:
    Sobre a crônica em si, achei bem bacana. Você escreve bem... Suave, eu diria, rs. Achei legal você ter retratado as sensações que se tem quando usa algo do tipo, essa relação entre moderno x obsoleto e a maneira como tudo foi contado. Acho que você deveria voltar ao hábito de antes e escrever mais crônicas. Adoraria acompanhar. (:

    Ótimo texto.

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  3. Nossa, que delíciaaa! Sou louca para consertar uma que tem aqui em casa! É um sonho! Amei o post e já sigo o blog... Siga o meu tb:

    www.universodosleitores.blogspot.com.br

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  4. Adorei o texto. Cheguei a trabalhar por alguns dias com uma máquina destas no Fórum da minha cidade e confesso que hoje quero passar longe rs. Mas admiro o carinho que você tem pelo que esta máquina representa.
    Estou seguindo seu blog para acompanhar as atualizações e sempre que puder fazer uma visita.
    Abraços

    http://reaprendendoaartedaleitura.blogspot.com.br/

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